"Eu ganhei uma voz. Era isso que as pessoas diziam a meu respeito. Eu cultivava a minha voz, porque seria uma pena desperdiçar um dom desses. Imaginava essa voz como uma planta de estufa, algo exuberante com folhagens luzidias e a palavra 'tuberoso' no nome, e um perfume almiscaro à noite. Eu cuidava para que a voz fosse mantida na temperatura certa, no grau certo de humidade, no ambiente certo. Apaziguava os seus temores; dizia a ela para não temer. Eu a alimentava, eu a treinava, eu a via subir por dentro da minha garganta como uma trepadeira.A voz vicejava. As pessoas diziam que eu tinha me transformado na minha voz. Em breve eu era requisitada, ou melhor, minha voz era. Nós íamos a toda parte juntas. O que as pessoas viam era a mim, o que eu via era a minha voz, inchando na minha frente como a membrana esverdeada e transparente de um sapo cantando.Minha voz era cortejada. Buquês eram atirados para ela. Dinheiro era investido nela. Homens caíam de joelhos diante dela. Aplausos voavam em volta dela como bandos de pássaros vermelhos.Convites para apresentações choviam sobre nós. Todos os melhores lugares nos desejavam, e todos ao mesmo tempo, porque, como as pessoas diziam - embora não para mim -, a minha voz só duraria certo tempo. Depois, como ocorre com as vozes, ela começaria a encolher. Finalmente ela me abandonaria, e eu ficaria sozinha, desnudada - um galho morto, uma nota de rodapé.Começou a acontecer, o encolhimento. Só eu percebi por enquanto. Tem uma pequena prega em minha voz, uma pequena ruga. O medo penetrou em mim, uma injecção de éter, contraindo o que em outra pessoa seria o meu coração.Agora está noite: as luzes de néon se acenderam, a agitação enche as ruas. Nós estamos sentadas neste quarto de hotel, minha voz e eu; ou melhor, nesta suite de hotel, porque ainda é só o que há de melhor para nós. Estamos tomando coragem. Quanto me resta de vida? Aliás, quanto me sobra: minha voz já gastou quase tudo. Eu lhe dei todo o meu amor, mas ela é apenas uma voz, nunca poderá retribuir esse amor.Embora esteja começando a se deteriorar, minha voz continua voraz como sempre. Mais voraz. Ela quer mais, mais e mais, mais de tudo o que já obteve até agora. Ela não vai me largar facilmente.Em breve estará na hora de sairmos. Vamos participar de um evento brilhante, nós duas, acorrentadas uma à outra como sempre. Usarei seu vestido favorito, seu colar favorito. Eu a envolverei com uma pele para protegê-la dos golpes de ar. “Depois desceremos para o saguão, fulgurantes como gelo, minha voz presa como um vampiro invisível à minha garganta"
Moju /Pará
23/05/2009
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